Primeira pessoa a denunciar os abusos sexuais em massa na igreja do pastor T.B. Joshua, na Nigéria, foi sua jovem filha.
Aviso: esta reportagem contém detalhes que alguns leitores podem achar perturbadores.
A BBC revelou como o pastor Temitope Balogun Joshua, conhecido como T.B. Joshua (1963-2021), acusado de cometer crimes sexuais em massa, manteve sua própria filha trancada em um quarto e a torturou por anos, até abandoná-la nas ruas de Lagos, na Nigéria.
Joshua era o líder da megaigreja chamada Igreja Sinagoga de Todas as Nações (Scoan, na sigla em inglês). Ele morreu aos 57 anos de idade em 2021 e é acusado de cometer tortura e abusos em massa por quase 20 anos.
“Meu pai tinha medo, medo constante. Ele tinha muito medo de que alguém falasse”, conta uma das filhas do pastor, Ajoke. Ela foi uma das primeiras pessoas a denunciar à BBC os abusos que ela presenciou na igreja do seu pai.
Agora com 27 anos, Ajoke vive escondida e eliminou seu sobrenome “Joshua”. A BBC irá manter seu novo nome em sigilo.
Pouco se sabe sobre a mãe biológica de Ajoke. Acredita-se que ela faça parte da congregação de T.B. Joshua.
Ajoke se lembra de ter sido criada pela viúva de Joshua, Evelyn, desde muito pequena.
Ela conta que teve uma infância muito feliz até os sete anos de idade. Ela viajava de férias com a família Joshua para lugares como Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Até que, um dia, tudo mudou.
Ajoke foi suspensa da escola por mau comportamento e um jornalista local se referiu a ela como filha ilegítima de T.B. Joshua em uma reportagem. Ela foi retirada da escola e levada para o complexo da Scoan em Lagos.
“Fui forçada a me mudar para o quarto dos discípulos”, ela conta. “Eu não me voluntariei para ser discípula. Fui forçada a entrar.”
Os discípulos eram um grupo de elite de seguidores dedicados que serviam T.B. Joshua e moravam com ele dentro do labiríntico complexo da igreja. Eles vinham de todas as partes do mundo e muitos moravam no complexo por décadas.
Os discípulos seguiam um conjunto de regras rigorosas: não podiam dormir mais do que algumas horas por dia, o uso de telefones próprios era proibido e eles não tinham acesso a e-mails pessoais. Eles ainda eram obrigados a chamar T.B. Joshua de “papai”.
“Os discípulos sofriam lavagem cerebral e eram facilitadores. Todos agiam simplesmente sob comando, como zumbis. Ninguém questionava nada”, relembra Ajoke.
Ela era adolescente e não respeitava as regras como os outros discípulos. Ajoke se recusava a se levantar quando o pastor entrava no quarto e se rebelava contra as severas normas de sono.
Os abusos começaram pouco tempo depois.
Ajoke se lembra de ter apanhado por urinar na cama, não muito tempo depois de chegar, com sete anos de idade. Ela foi forçada a andar pelo complexo com uma placa em volta do pescoço, com os dizeres: “faço xixi na cama”.
Uma antiga discípula conta ter sido informada de que Ajoke “tinha maus espíritos que precisavam ser retirados”.
“Certa vez, nas reuniões dos discípulos, ele [Joshua] disse que as pessoas podiam bater nela. Qualquer pessoa do dormitório feminino podia simplesmente bater nela e eu me lembro de observar pessoas dando tapas nela quando ela passava”, conta.
Quando Ajoke se mudou para a igreja no bairro de Ikotun, em Lagos, ela passou a ser tratada como uma pessoa proscrita.
“Ela era meio que rotulada como a ovelha negra da família”, conta Rae, do Reino Unido, que morou por 12 anos na igreja como discípula. Como a maior parte dos antigos discípulos entrevistados pela BBC, Rae preferiu usar apenas seu primeiro nome.
Ela relembra uma vez em que Ajoke dormiu por tempo demais e Joshua gritou para que ela se levantasse.
Outra discípula a levou para o chuveiro, “bateu nela com um fio elétrico e então abriu a água quente”, conta Rae.
Relembrando o incidente, Ajoke contou que “gritava o mais que podia e eles simplesmente deixaram a água correr sobre a minha cabeça por muito tempo.”
Ela conta que esses abusos nunca terminavam.
“Estamos falando de anos e anos de abusos. Abusos permanentes. Minha vida como filha de outra mãe prejudicava tudo o que ele [Joshua] afirmava defender”, relata.
‘Não sei como sobrevivi’
Quando tinha 17 anos, Ajoke confrontou seu pai sobre “relatos em primeira mão de pessoas que haviam sofrido abusos sexuais”.
“Vi discípulas subirem para o quarto dele. Elas ficavam lá por horas”, conta ela. “Eu ouvia coisas: ‘oh, isso aconteceu comigo. Ele tentou dormir comigo.’ Eram muitas pessoas dizendo a mesma coisa.”
A BBC conversou com mais de 25 antigas discípulas – do Reino Unido, Nigéria, EUA, África do Sul, Gana, Namíbia e Alemanha – que deram relatos confirmando terem sofrido ou presenciado abusos sexuais.
“Eu não aguentava mais”, conta Ajoke. “Entrei diretamente no seu escritório naquele mesmo dia. Gritei o mais que pude: ‘por que você está fazendo isso? por que você está fazendo todas essas mulheres sofrerem?'”
“Eu tinha perdido todo o medo daquele homem. Ele tentou me encarar, mas eu olhava nos olhos dele.”
Emmanuel fez parte da igreja por 21 anos e passou mais de uma década no complexo como discípulo. Ele se lembra claramente daquele dia.
“Ele [Joshua] foi a primeira pessoa que começou a bater nela… depois, vieram outras pessoas”, ele conta.
“Ele dizia: ‘pode imaginar o que ela está falando de mim?’ E, por mais que ele a atingisse e batesse nela, ela continuava dizendo a mesma coisa.”
Ajoke conta que saiu arrastada do escritório e foi colocada em um quarto longe dos demais membros da igreja. Ali, ela viveu em confinamento por mais de um ano.
A Scoan chama este tipo de punição de “adaba”. Rae também sofreu o mesmo castigo por dois anos.
Fundador da Igreja Sinagoga de Todas as Nações, TB Joshua é acusado de cometer tortura e abusos sexuais em massa por quase 20 anos — Foto: AFP
Foto: BBC
Fonte: Globo